sábado, 23 de abril de 2011

Poema à boca fechada




Não direi: 
Que o silêncio me sufoca e amordaça. 
Calado estou, calado ficarei, 
Pois que a língua que falo é de outra raça. 

Palavras consumidas se acumulam, 
Se represam, cisterna de águas mortas, 
Ácidas mágoas em limos transformadas, 
Vaza de fundo em que há raízes tortas. 

Não direi: 
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem, 
Palavras que não digam quanto sei 
Neste retiro em que me não conhecem. 

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas, 
Nem só animais bóiam, mortos, medos, 
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam 
No negro poço de onde sobem dedos. 

Só direi, 
Crispadamente recolhido e mudo, 
Que quem se cala quando me calei 
Não poderá morrer sem dizer tudo.

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